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Desinformação continua a desafiar a saúde das eleições

Atualizado: 12 de nov. de 2020

Lucratividade continua a ser um dos motores das 'fake news', apesar da pressão social


Arte: Leticia Chaves

Por Leticia Chaves e Lucas Bulhões Lopes Albino


Já é possível dizer que a expressão ‘fake news’ conquistou um importante espaço em meio ao extenso vocabulário da população brasileira. Com a crescente polarização política no país, tendo como marco a eleição presidencial de 2018 - disputada no segundo turno entre Fernando Haddad (PT) e Jair Messias Bolsonaro (até então do PSL) - o termo ganhou relevo na época. Qualquer passo dos candidatos era envolto em teorias quanto à realidade dos fatos em suas campanhas. Por meio de ataques e críticas diretas à imprensa, com o intuito de desacreditá-la, Bolsonaro se inspirou no tipo de retórica que havia levado o republicano Donald Trump à Presidência dos Estados Unidos dois anos antes.


Porém, a aplicação da desinformação como ferramenta política não se resume às votações na esfera federal. O desenrolar das atuais campanhas da corrida eleitoral para a prefeitura do Rio de Janeiro vem ratificando o quanto a prática parece ter se tornado rotineira em diversas dimensões. A questão é saber até quando essa tática continuará rendendo vitórias eleitorais.

Paes, Crivella e a desinformação na corrida eleitoral do Rio

Um levantamento do projeto Fato ou Fake, das Organizações Globo, mostra que a desinformação continua atuando no dia a dia dos candidatos ao cargo de prefeito. Trazemos (abaixo) dados que se referem à terceira semana de campanha (10/10 à 16/10) dos dois primeiros colocados nas pesquisas naquele momento.

No dia 10 de outubro, um sábado, o candidato Eduardo Paes (DEM) publicou em seu Facebook: “Faltam médicos e medicamentos. A fila do SISREG triplicou, e 1,7 milhão de cariocas perderam acesso ao atendimento mais básico na Saúde”. Porém, os dados da Secretaria Municipal de Saúde revelaram que, na verdade, no início da gestão do bispo Marcelo Crivella (Republicanos), em janeiro de 2017, o SISREG contava com 134 mil solicitações por consultas, exames e cirurgias. Outras 536 mil solicitações foram devolvidas à unidades estaduais e federais no fim da gestão de Paes - anterior à de Crivella, o que tenderia a aumentar a fila na gestão sucessora.


No dia 13 de outubro, um terça-feira, o bispo declarou, em horário eleitoral: "Quando o mundo estava em pânico com a Covid, o Rio tinha todos os equipamentos e fez um hospital de campanha, de 500 leitos, com 100 de UTI, em 25 dias, e ainda espalhou por toda cidade 27 tomógrafos para detectar a doença precocemente". A afirmação não se mostrou sustentável, visto que o início das obras foi autorizado pela prefeitura em 25 de março, sendo concluídas em 20 de abril, mas funcionando apenas dez dias depois, em 1o. de maio. Logo, passaram-se 37 dias entre o início das obras e a real efetividade do hospital. Ainda em 1o. de maio, diversos veículos noticiaram que, em nota, a prefeitura havia anunciado que a ativação dos outros leitos ocorreria conforme a chegada dos respiradores e demais equipamentos. Segundo apuração do projeto, 372 pacientes aguardavam por vagas nas UTI dos hospitais da rede pública, apenas naquele dia. Além disso, 20 dias depois, apenas 139 pacientes haviam sido internados na unidade.

Aqui, em ambos os exemplos, há uma clara tentativa de autopromoção através do uso de inverdades. Embora parte dos dados aqui descritos tenha sido revelada pelo Fato ou Fake, a maioria das informações foi noticiada na época por diversos veículos em diferentes mídias. “A desinformação é mais fácil de entender do que as complexidades de um assunto como o financiamento de campanhas, comitês de ação política etc. Essas informações até estão disponíveis ao público, mas a maioria das pessoas não sabe como encontrá-las”, afirma Miriam Romais, gerente de engajamento profissional do News Literacy Project - ONG americana que trabalha para ensinar estudantes a distinguir informações falsas.

Você sabe como nasceu o termo ‘fake news’?

O termo fake news se popularizou na corrida presidencial americana de 2016. Na época, os eleitores de Donald Trump, que se elegeu presidente dos Estados Unidos, compartilhavam de forma intensa conteúdos com informações falsas sobre a candidata Hillary Clinton. Porém, o uso mais notável do termo foi feito pelo próprio Trump, como uma maneira de atacar os jornalistas que estavam cobrindo as polêmicas e controvérsias de sua campanha. O até então candidato chegou a designá-los como “inimigos do povo”, ao dizer que a mídia americana publicava notícias falsas.

O que muitos não sabem é que o termo não nasceu dos tweets raivosos do presidente norte-americano. De acordo com o dicionário Merriam-Webster, a expressão existe há mais de cem anos. Embora sua utilização tenha se popularizado na era digital, o blog publicou o que seria a real história das chamadas ‘fake news’. O post apresenta uma publicação de 1891 do The Buffalo Commercial (de Buffalo, Nova York), na qual o autor diz que o "gosto público não aprecia as 'falsas notícias' (fake news) e as poções de 'demônio especial', como as que lhe foram servidas por um serviço noticioso local há um ou dois anos".

Arte: Leticia Chaves

Popularização do termo no Brasil

Já no Brasil, a situação não foi muito diferente. As ditas ‘fake news’ ganharam espaço durante as eleições de 2018, nas quais a polarização política atingiu níveis alarmantes. Um estudo da organização Avaaz apontou que naquele ano 98,21% dos eleitores do presidente eleito Jair Bolsonaro foram expostos a uma ou mais notícias falsas durante a eleição, e 89,77% acreditaram na veracidade do que viram. Após as eleições e a ascensão dos debates políticos via internet, o termo se popularizou e seu significado se consolidou no vocabulário popular. O país ainda conseguiu um grande aliado na disseminação dessas notícias não verdadeiras.

O Whatsapp se tornou o principal campo de disseminação de notícias falsas durante as eleições de 2018. Inúmeros grupos contendo bots dispararam notícias falsas e fizeram circular mensagens para beneficiar a campanha de candidatos. Já em 2020, o aplicativo de mensagens, que aproximou as pessoas que estavam distantes por conta da quarentena, também foi palco de uma avalanche de notícias falsas e propagação de desinformação sobre a Covid-19. De acordo com outro estudo da organização Avaaz, cerca de 110 milhões de pessoas acreditam em pelo menos uma notícia falsa sobre a pandemia no Brasil. Esse número corresponde a sete em cada 10 brasileiros.


Embora o destaque tenha trazido um crescimento nas reflexões sobre o consumo de informações, há também um movimento de generalização do que realmente são as chamadas fake news. Para melhor entendimento, é preciso compreender as diferenças e nuances presentes no processo de desinformação.

Diferença entre ‘fake news’ e desinformação

A ideia defendida por pesquisadores e jornalistas é a de que o termo “fake news” não é considerado correto - a presença da palavra news (notícia, em inglês) indica um fato, logo, esse conteúdo não deveria ser nomeado como algo falso. Para Romais, “o termo tornou-se uma ferramenta politizada frequentemente aplicada por aqueles que estão no poder, referindo-se a tudo o que eles discordam, independentemente da credibilidade.”

Segundo ela, as fake news podem ser simplesmente incorretas ou um erro honesto devido à falta de informação. Já a desinformação é criada com o propósito de enganar, muitas vezes com resultados prejudiciais a longo prazo, que nem sempre são visíveis no momento. Sendo assim, concluímos que a desinformação é criada e dispersada com propósitos específicos, na maioria das vezes com fins políticos e/ou financeiros e tem diversas formas de disseminação. Enquanto as fake news podem ser usadas sem o objetivo expresso de enganar, ao serem compartilhadas por pessoas comuns que acabam muitas vezes só repassando falsas matérias jornalísticas com base em suas manchetes.

De acordo com John Silva, diretor sênior de educação e treinamento do News Literacy Project, fake news é um termo geral que simplifica demais um tópico complexo.” Tópico esse que seria a desinformação, que se apresenta em diversas modalidades, que incluem uma imagem "photoshopada", um vídeo editado seletivamente ou até mesmo um boato que foi completamente inventado. Para ele, esses diferentes tipos de desinformação precisam ser ensinados.


Financiamento e enraizamento da desinformação

O viés econômico é um dos motivos mais claros para que tal prática, ainda que moralmente errada, se mantenha em voga e siga sendo um trunfo para certos grupos. Além de servir como uma maneira de fortalecimento de poder político, a propagação de informações falsas também é amplamente rentável. Uma pesquisa realizada esse ano pelo Oxford Internet Institute analisou diversos portais com informações referentes à Covid-19 e revelou que a maioria dos sites de desinformação contam com anúncios, logo, tem seus conteúdos monetizados. Aliás, mais de 60% dessas contam com publicidade direta da plataforma Google Ads.

Assim, a monetização de sites que propagam desinformação, ao trazer um retorno positivo a seus criadores, cria um ciclo no qual as informações falsas nunca param de ser produzidas. Segundo Miriam Romais, “a desinformação tem sido um ‘negócio’ eficaz há algum tempo. As plataformas de mídia social têm identificado e eliminado grupos de trolls [grupos que promovem ataques] e contas falsas antes mesmo das eleições, mas as fake news e a desinformação continuam a se espalhar rapidamente. Reconhecer como desempenhamos um papel, mesmo que não intencionalmente, na propagação da desinformação, também significa que podemos ter o poder de retardar seu alcance”, afirma ela.

Para isso, é preciso estar atento. Uma das principais armas da desinformação é o uso das emoções. Quando se sente raiva, medo, esperança ou alegria, muitas vezes processos de pensamento racional são anulados, facilitando atos impulsivos. Por isso, é comum as notícias falsas serem relacionadas à ódio ou mazelas sociais que possam, de alguma forma, causar empatia no leitor. Além disso, as iniciativas de combate são grandes aliadas, por ajudarem a reconhecer no que confiar, aos poucos exercitando as capacidades de reconhecimento de informações verdadeiras. Aqui, iremos destacar o trabalho de umas das relevantes do momento, o Sleeping Giants.

Sleeping Giants

O grupo de ativistas digitais que combate discursos de ódio e desinformação na internet se diz apartidário. Seu objetivo - como o nome indica - é despertar os “gigantes adormecidos”, alusão a grandes empresas que não tem noção de onde seus anúncios são publicados pelas vias de mídia programática, como o Google Ads.

O grupo atua nas redes sociais com o objetivo de forçar a remoção da publicidade em locais que possam causar prejuízos às marcas ou a critérios de governança. O movimento nasceu em 2016 nos EUA após a vitória de Donald Trump e possui uma versão brasileira (Sleeping Giants Brasil). Embora esta não tenha ligação com o grupo originário de mesmo nome, já recebeu o respaldo via Twitter dos iniciadores do movimento. “Absolutamente impressionante o que aconteceu com o Sleeping Giants Brasil em menos de uma semana”, tuitaram os americanos.

O sucesso da versão brasileira do movimento provocou o nascimento de outro grupo, chamado Gigantes Não Dormem, que tem como objetivo ser uma alternativa mais à direita no espectro político. Todavia, a conta não obteve tanto êxito quanto a primeira - e no dia dia 26 de outubro contava com 36,2 mil seguidores, contra 397,5 mil do Sleeping Giants Brasil. Além da quantidade de seguidores desigual, o grupo conservador convenceu poucas empresas a retirarem seus anúncios. Uma delas foi a Centauro - cujo presidente apoiou a candidatura de Jair Bolsonaro - que removeu seus anúncios de diversas páginas.

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