Entenda o que está em jogo, para candidatos e eleitores, nas grandes plataformas digitais
Por Juliana Sá e Marco Stivanelli
Desde o seu surgimento no começo dos anos 2000, as redes sociais cresceram intensamente em número, tamanho e relevância. Hoje, duas décadas depois, elas se tornaram uma parte inseparável do dia a dia, marcando nossa presença em espaços físicos e digitais. Porém, durante as eleições presidenciais de 2018, no Brasil, o uso deturpado de plataformas como Whatsapp, Youtube, Twitter e Facebook afetou os resultados nas urnas. Agora, com as eleições municipais, podem as redes sociais ter a mesma influência?
Para compreender como esse universo recente se tornou tão importante politicamente, precisamos voltar alguns anos na história do Brasil, mais especificamente para junho de 2013. Com o expressivo engajamento de usuários no Twitter e no Facebook, as manifestações em resposta ao aumento da tarifa de ônibus levaram a um movimento de proporções nacionais, conhecidas hoje como as Jornadas de Junho. No ano seguinte, os debates nas redes sociais foram de enorme relevância para as eleições presidenciais. “A partir daquele momento [2014], as redes sociais assumiram o protagonismo da informação, que antes era conferido aos veículos tradicionais. Esses veículos, como tevê, rádio e jornais, ainda são importantes, mas, agora, as redes proliferam o conteúdo mais básico e quente em uma velocidade incrível”, destaca Osmar Lazarini, estrategista digital da Agência Trampo.
Já em 2015 e 2016, esses espaços também foram usados para a mobilizar os protestos contra e a favor do governo Dilma Rousseff. Assim, o protagonismo das redes sociais continuou a crescer, o que acabou sendo decisivo para as eleições de 2018. Mesmo concorrendo pela primeira vez ao cargo de presidente da República, mas contando com uma intensa mobilização nas redes a seu favor, Jair Messias Bolsonaro, então candidato do PSL, foi eleito no 2º turno com um total de 57.797.847 votos ou 55,13% dos eleitores.
Apostando em um discurso conservador nos costumes e liberal na economia, linha-dura no combate à corrupção e anti-Lula e PT, ele conquistou sua legião de apoiadores principalmente pela internet. Em sua campanha emblemática, Bolsonaro se ancorou expressivamente no disparo em massa de mensagens de apoio político e de ataque a adversários no aplicativo de mensagens Whatsapp e no Twitter para chegar aos eleitores. De avalanches de inverdades disfarçadas de notícias, centenas de lives, montagens falsas e até descrédito da mídia tradicional, a desinformação nas redes foi uma de suas principais estratégias.
Tendo em vista que o ambiente digital passou por diversas reconfigurações nos últimos anos, as campanhas eleitorais também acompanharam esse movimento. Se, no princípio dos anos 2000 os candidatos disponibilizavam informações apenas em sites oficiais, acessados por eleitores somente sob demanda, a entrada das mídias sociais alterou definitivamente esse cenário. A partir delas, tornou-se possível para qualquer usuário receber informações sobre os candidatos diretamente em suas próprias timelines, por exemplo.
Para Viktor Chagas, professor e pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), a mudança trouxe uma profunda alteração na maneira como o eleitorado se comporta. “Há um conjunto enorme de efeitos advindos dessas mudanças na relação entre candidatos e eleitores, mas a principal é que os eleitores ganharam um protagonismo importante”, analisa o acadêmico. "Agora, é possível realizar rapidamente uma seleção de informações acerca dos candidatos, dando luz a coisas que eles muitas vezes querem encobertas, ao mesmo tempo em que outros compartilham conteúdos apócrifos em suas redes”, completa.
Após o grande alcance que a campanha do presidente Bolsonaro teve em 2018 nas redes sociais, os partidos e candidatos ficaram mais atentos às possibilidades que essas mídias podem oferecer. “Já é possível observar que outros candidatos estão utilizando massivamente este instrumental para chegar ao eleitorado, na tentativa de conseguir votos”, pontua a cientista política Soraia Vieira, também professora na UFF.
Conectar e compartilhar: as redes sociais no Brasil e no mundo
No cenário político atual, desdobrar campanhas nos espaços digitais se tornou uma tarefa de extrema importância. Mas, para entender o porquê disso devemos primeiro entender o que são as redes sociais e seus objetivos. Definidas como plataformas sociais para conectar pessoas, produzir e consumir conteúdo e até mesmo criar relações de trabalho, plataformas como Facebook, Youtube, Twitter, Instagram e Tik Tok são exemplos de redes sociais voltadas para relacionamento, entretenimento e informação. Cada uma tem uma intenção diferente e bem definida, como postar fotos, vídeos, músicas etc. Por isso, não só a linguagem de cada uma é diferente, mas seu público também diverge. Com isso em mente, as estratégias de campanha nas redes sociais são traçadas.
"Se você busca um engajamento maior nos seus vídeos, talvez seja melhor pensar no Youtube, caso você pense em alguma lista com obras ou projetos de lei do qual você faz parte, talvez o Twitter seja melhor, ou fotos de obras que fez, também o Instagram seja melhor. O grande desafio do candidato é saber diferenciar essas plataformas e ir adequando seu conteúdo em cada uma delas”, aponta Leandro Barreto, chefe de pré-vendas na e-Core (agência de exportação de serviços de desenvolvimento de software) e co-autor na Jornada Colaborativa (comunidade que publica livros e ministra palestras sobre tecnologia).
A busca por visibilidade nessas plataformas se tornou necessária uma vez que elas vêm crescendo em tamanho e relevância a cada dia. Segundo o relatório Digital 2020, 53% da população mundial marcam presença nas redes sociais hoje, o que representa 4.14 bilhões de pessoas produzindo e consumindo conteúdo diariamente. No Brasil, essa média é ainda maior, com 66% dos brasileiros atuando nas redes sociais em 2020. Em comparação com 2016, o número total de usuários brasileiros ativos nas redes teve um salto de 73%, indo de 103 milhões para 140 milhões.
Somado a isso, os brasileiros também possuem um expressivo consumo de tela, gastando em média 3 horas e 31 minutos todos os dias navegando em redes sociais. “Com o incentivo certo, um político pequeno que não possui tanto tempo de tevê e espaço nas mídias tradicionais pode conquistar eleitores online”, afirma Osmar Lazarini. “A visibilidade gera aderência, que gera engajamento, que pode se converter em votos. Nas mídias tradicionais, a redução do tempo de campanha faz com que essa velocidade de contato de conversão seja bem reduzida”.
Assim, da mesma maneira que o comportamento dos candidatos se adequa aos diferentes espaços que ele frequenta durante a campanha, nas redes sociais a premissa é a mesma. A fim de conseguir um melhor engajamento online, é necessário aprender as métricas de cada mídia; por exemplo, uma métrica muito utilizada no Youtube não é a mesma para um vídeo no IGTV, plataforma de vídeos do Instagram. Entender como o algoritmo de cada plataforma trabalha - quando possível - e compreender a regra do jogo é importante para que o conteúdo nas redes sociais possa ser, de fato, entregue aos eleitores. Buscar estratégias desse tipo é importante, por ser quase impossível atingir todos os usuários das redes sociais de uma vez. Por isso, é preciso buscar grupos que partilhem interesses e objetivos comuns. Com coerência de postagens em diferentes plataformas, o engajamento de um candidato pode aumentar.
“Cada pessoa tem sua sugestão de assuntos baseados no algoritmo da rede conforme elas a utilizam, ou seja, a rede lhe mostra assuntos pelos quais ela previamente já mostrou interesse. As redes usam isso para poder entregar o conteúdo que a pessoa poderá gostar. Por exemplo, se uma pessoa que utiliza o Instagram para receitas de comidas apenas, ela apenas verá em seu feed de vídeos/fotos receitas e não sobre candidatos, mas se um candidato realizar uma postagem, vamos supor, de um almoço que ele fez - sendo transparente, se mostrando como ser humano -, pode ser que essa pessoa veja essa postagem e, talvez, conheça o candidato mais profundamente”, pontua Leandro Barreto.
A transmissão de conteúdo por meio de bots e comunidades de apoio a candidatos, como grupos no Whatsapp ou Facebook, são outras formas de campanha não oficial com ampla capacidade de difundir o material relacionado ao candidato. A ação ganhou força em 2018 durante a campanha de Jair Bolsonaro, o que levou ao aumento do consumo de informações, verídicas ou não, via redes sociais.
De acordo com a pesquisa nacional Redes Sociais, Notícias Falsas e Privacidade na Internet, realizada pelo DataSenado em parceria com as Ouvidorias da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, foram as redes sociais as principais fontes de informações para o eleitor em 2018. Quase metade dos entrevistados da pesquisa (45%) afirmaram ter decidido o voto levando em consideração informações vistas em alguma rede social. Segundo o levantamento, o aplicativo de troca de mensagens Whatsapp é a principal fonte de informação do brasileiro hoje. Das 2,4 mil pessoas entrevistadas, 79% disseram sempre utilizar essa rede social para se informar. A pesquisa também indicou que a parcela da sociedade que mais utiliza as redes sociais, e dá mais valor a informações nesses meios para sua decisão de voto, são os jovens. Destes, 51% dos entrevistados responderam que levam as redes sociais em consideração na hora de escolher seu candidato.
Em comparação com 2016, o Instagram teve um aumento de 65% em seu número de usuários, porém, o Youtube e o Facebook ainda mantêm o posto das redes sociais mais usadas no país. Ambas contam com a participação de mais de 90% dos brasileiros.
Promovendo um novo tipo de aproximação e novas dinâmicas de interação, as campanhas eleitorais municipais fazem das redes sociais uma das suas muitas estratégias para ganhar força e visibilidade. Todavia, os candidatos não focam unicamente nelas. Isso porque campanhas locais sempre foram marcadas pela maior articulação dos “cabos eleitorais” e a presença dos candidatos nos bairros e ruas da cidade. “Muitas pessoas votavam simplesmente porque aquele candidato tinha uma certa presença e influência no bairro, um ex-morador ou conhecido de alguém, ou seja, era muito no boca a boca”, diz Osmar Lazarini.
As campanhas para eleições municipais sempre foram marcadas pela presença do candidato em diversos pontos da cidade e dos bairros. Esses momentos em que o eleitor pode vê-lo, conversar e apresentar suas demandas são importantes para que seja construída uma relação de proximidade e confiança. Já santinhos, adesivos, panfletos, propaganda obrigatória na televisão e comícios, ações mais tradicionais de uma campanha, que antes eram suficientes para dar a visibilidade necessária para eleger um candidato, agora dividem espaço com ações online.
“Um candidato tem que despender um tempo enorme no corpo a corpo e mesmo assim ele não consegue levar uma informação precisa de quem é e o que pretende fazer. Ao mesmo tempo, houve uma perda da força da propaganda pura e simples, o conteúdo multiformato vai assumindo esse espaço. As redes passam a ser o veículo ideal tanto pela velocidade, quanto pelas ferramentas de segmentação do público correto”, conclui Lazarini.
Com a pandemia do novo coronavírus e o isolamento social, essa atuação nas redes sociais se tornou ainda mais importante, já que o contato físico não é recomendado no momento. É de extrema importância que os políticos tenham isso em mente para que possam ser mais assertivos na emissão da mensagem para seu público, engajando-os de forma que ele continua com seu voto “garantido”.
Pequenas mudanças, grandes impactos
Em 2018, cogitava-se implementar alguma limitação aos encaminhamentos de mensagens pelo Whatsapp, como a que estava em vigor na Índia (devido aos vários casos de correntes falsas provocarem uma série de linchamentos e mortes violentas). Naquele ano, já era discutido que a ação poderia representar um pequeno obstáculo ao indivíduo comum, mas em países como o Brasil, no qual existe uma rede de desinformação política constituída, a restrição provavelmente não teria grande impacto.
“Não estamos lidando com um usuário que repassa inadvertidamente mensagens para seus familiares e amigos, mas com uma rede criada para disseminar massivamente conteúdos falaciosos que possuem objetivos políticos claros, interesses específicos e condições técnicas ou econômicas de operar sistemas de distribuição semiautomáticos altamente capilarizados”, explica Viktor Chagas, da UFF.
Dessa maneira, a limitação corre o risco de se tornar apenas um paliativo midiático capaz de dar uma resposta à opinião pública diante das pressões que a plataforma tem sofrido. Não muito mais do que isso. Os anúncios políticos do Facebook têm um efeito similar, embora representem uma ação de regulação mais incisiva. Isso porque todas as peças são avaliadas pela equipe da rede. O problema ocorre porque a regulação é opaca e construída pela própria rede social, sendo que algumas fronteiras ficam mal definidas, com brechas para usos inadequados são criadas.
Conhecida como Lei das Eleições, a Lei nº 9.504 de 30 de setembro de 1997 é o instrumento legal que dita as regras de todos os âmbitos das eleições. Com o passar dos anos e avanços tecnológicos, ela foi complementada e alterada, de forma a sempre acompanhar e se adequar a novas demandas e barreiras das campanhas eleitorais. Em 2017, com a revisão de sua redação, a possibilidade de impulsionamento de publicações representou a mudança mais significativa até agora. Entre as principais medidas, fica permitido o uso de mídia paga para impulsionar propagandas eleitorais oficiais nas redes sociais, assim como garantir posições de destaque em grande buscadores, como o Google, por exemplo. Em seu § 5º do Artigo 39, passou a ser crime eleitoral a publicidade online inserida ou o seu impulsionamento na data da eleição, o que abre a brecha para postagens já programadas. Além disso, com a Resolução Nº 23.610 de 2019 esse serviço agora só pode ser contratado quando é realizado por empresas brasileiras, ou com algum tipo de representação legalmente estabelecida no país, como em outros casos referentes ao marketing político online.
Além disso, o uso de outros dispositivos ou programas, como robôs que possam distorcer muitas vezes a repercussão de conteúdo, também está vedado. Já a chamada "desconstrução de candidatura", em que é feito o impulsionamento de campanhas que visem apenas a prejudicar a imagem de outros candidatos, partido ou coligação, também está proibida. “O principal problema não são as plataformas, mas sim o mal uso feito delas por atores do campo profissional da política. É extremamente problemático o fato de essas mídias não atuarem como deveriam no sentido de coibir a disseminação de desinformação e discursos de ódio. Quando elas não se posicionam ativamente para investigar e punir usuários que atentam contra a democracia em seus próprios espaços, elas representam um risco tanto para as eleições quanto para a democracia”, reforça Viktor Chagas.
Também entra na lista de mudanças a proibição da divulgação de fatos inverídicos, assim como a veiculação de conteúdos eleitorais por usuários falsos ou anônimos. A pena prevista para esses casos pode chegar a oito anos de prisão. “O que agrava toda essa situação é o compartilhamento de notícias falaciosas em grupos privados, tornando difícil controlar e verificar seu conteúdo. Muitas dessas mensagens são nocivas à democracia. Elas aumentam a desconfiança nas instituições e nos acordos sociais básicos”, afirma Soraia Marcelino.
Em Niterói, serão ao todo 391.268 eleitores para as eleições do próximo dia 15 de novembro. Ao todo, no município, são 708 candidatos a vereador, distribuídos em 30 partidos, brigando por uma das 21 vagas da Câmara Municipal. Para efeito comparativo, na eleição municipal de 2016 esse número era de apenas 396, o que representa um crescimento de 79% este ano. Se não houver uma devida atenção ao comportamento político nas redes sociais, não somente a campanha inteira de um candidato pode ser afetada, mas as eleições como um todo.
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