Ações reforçam foco educacional e buscam enfrentar grandes narrativas da desinformação
Por João Pedro De Oliveira Lima e Júlia Leite
A checagem de fatos sempre foi um método jornalístico, uma prática para frear o movimento já antigo na imprensa de veicular informações com veracidade não atestada. Consiste em comparar a informação com dados, pesquisas e registros. Nos últimos anos, a desinformação tomou tal proporção que põe em evidência a necessidade de democratização do trabalho de verificação de informações difundidas nos meios de comunicação. Não apenas profissionais, mas a população, cada vez mais, se vê diante da necessidade de precisar conferir, por conta própria até, a veracidade das informações que recebe em velocidade crescentemente maior.
Nesta reportagem, Ana Regina Rego, professora da Universidade Federal do Piauí (UFPI), jornalista e coordenadora da Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), criada neste semestre, e Gilberto Scofield Jr, jornalista e diretor de Estratégias e Negócios da Agência Lupa, discutem tendências atuais do trabalho de checagem, em que se destacam as ações coletivas e colaborativas para enfrentar a desinformação.
A ideia de Ana Regina Rêgo era criar uma rede de monitoramento e verificação, mas, com a pandemia, iniciou-se um trabalho de formação de contatos no campo da comunicação que foi além da proposta inicial. Atualmente, cerca de 60 projetos integram o projeto. “A Rede Nacional de Combate à Desinformação abrange vários projetos que trabalham nesse escopo. Temos oito [agências] que são de verificação e checagem, mas temos projetos de diversas naturezas: instituições, observatórios de mídia, observatórios de ética jornalística, observatórios de jornalismo cultural, etc”, destaca Ana. Assim, o escopo é grande: “O combate à desinformação não se restringe, de forma alguma, à verificação e à checagem de desinformação”.
A presença e a participação de universidades públicas - geradoras de conhecimento crítico sobre o cenário das mídias - é uma das características da RNCD. O objetivo é conseguir abrir um canal dialético de comunicação na sociedade polarizada - já que a realidade de divisão política favorece a difusão de desinformação, pois as pessoas tendem dar mais valores a crenças comuns, difundidas em suas "bolhas", que aos fatos. “A gente trabalha no sentido de ajudar a sociedade independentemente das bolhas em que elas se encontram. É um trabalho bem difícil porque a gente tem uma sociedade pautada no desentendimento político, com um grau de polarização grande em relação ao que a gente chama de regimes de verdade. Ao reunir essa gama de projetos com uma diversidade muito grande, a nossa intenção é essa: tentar o diálogo”.
A Rede é o que Ana Regina chama de “iniciativa sinérgica”. Ela conta que procurou colocar muitos projetos dentro de uma plataforma, que está aberta: "Não é só uma plataforma nas redes sociais, é, principalmente, uma possibilidade de interação, de conhecimento entre si. Extrapolando o campo da comunicação, é uma iniciativa de compartilhamento de pautas, de materiais”. A proposta é atingir um público muito maior do que cada um desses projetos conseguiria individualmente.
Essa perspectiva, relacionada à ação coletiva e à ampliação da ideia de checagem, se aplica à ideia de "funcionalidade" que Scofield destaca para o caso da Lupa. Atualmente, a agência busca ser mais do que apenas uma agência de checagem de fatos para se tornar um “hub de combate a desinformação”, já que metade de seus lucros e trabalhos vem de parcerias com a educação. A proposta é atingir um público muito maior do que cada projeto consegue individualmente, ajudando a população a desenvolver um hábito de verificação.
É importante destacar que a questão do combate à desinformação não abrange somente as pequenas correções das agências - que são importantes, especialmente em período eleitoral, para apontar inverdades nas falas dos candidatos -, mas confronta narrativas maiores, criadas a partir de tendências mais amplas e que se articulam até parecerem reais. Nos últimos anos, o brasileiro se viu imerso em debates como "ideologia de gênero", "terra plana", "antivacinismo". O grande alcance dessas temáticas foi facilitado pela rapidez de circulação das informações em redes, cuja estruturação, com base em algoritmos, contribui para a criação das "bolhas" entre pessoas com visões de mundo similares.
Projetos de checagens nas redes sociais
Para reforçar o trabalho de checagem em períodos eleitorais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) lançou o Programa de Enfrentamento à Desinformação com Foco nas Eleições 2020. O plano estratégico prevê o apoio a uma série de parceiros e ações de mais longo alcance - ou seja, também não se restringe apenas ao trabalho de correções de pequenas informações. O Tribunal também assinou parceria para apoiar o trabalho de checagem diferentes instituições (redes sociais, agências, aplicativos de mensagem etc) e mantém uma página na internet para tratar de questões relacionadas à desinformação.
Também buscando ampliar o escopo da checagem nestas eleições, a Agência Lupa lançou em setembro o projeto "Caiu na rede: é fake?" com coletivos locais de jornalismo, como Maré de Notícias, Voz das Comunidades e Favela em pauta No ano passado, havia iniciado, em pareceria com Tribunal Regionais Eleitorais (TREs) do país, um projeto - com patrocínio do Whatsapp - de capacitação para checagem, tendo em vista as eleições de 2020.
“Achamos que tínhamos que fazer como o México em 2018: treinar todo o corpo do sistema eleitoral brasileiro sobre desinformação, letramento digital midiático e ferramentas básicas de checagem de fatos, para que todos possam se aparelhar nesse combate. A gente precisa de um exército de checadores, é uma defesa que tem que ser feita pela educação”, conta Scofield.
Agora, no âmbito do acordo do TSE com diferentes organizações, o Whatsapp criou um chatbot para difundir dados oficiais do TSE - sobretudo informações de cuidados sanitários úteis sobre a pandemia - e um canal de comunicação específico para denúncias de contas suspeitas. Outras ferramentas também foram criadas com o mesmo intuito, como o “Megafone” no Facebook, divulgando mensagens sobre a eleição nos dias que a antecedem. Também se firmou algo nesse sentido com o Tik Tok.
Apesar de todas essas iniciativas, o cenário ainda não é o ideal. A desinformação se faz presente no cenário eleitoral - e houve muita incidência no contexto da pandemia. Segundo Ana Regina e Scofield, a chave para esse combate é a educação, não só a tradicional, mas também a midiática e interpretativa. Se a população for capaz de questionar e verificar por contra própria o que lhe chega, talvez possa ser possível limitar a circulação de desinformação.
Enquanto isso não ocorre, é dever do jornalista auxiliar a população nesse caminho e utilizar diferentes linguagens de checagem, pensando em narrativas locais e nacionais, para que o maior número de pessoas entenda a importância da checagem e consiga repassar a informação de qualidade.
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