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Ativismo digital reforça campanha de candidatas negras

Atualizado: 7 de jan. de 2021

Movimentos antirracistas nas redes atuam contra viés preconceituoso dos algoritmos


Arte de Cecile Mendonça e Pâmela Dias sobre foto de Marcello Casal Jr (Agência Brasil) e Warren K. Leffler.


Por Cecile Mendonça e Pâmela Dias


14 de março de 2018, data do assassinato da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. O crime político teve enorme e rápida repercussão em veículos de comunicação nacionais e internacionais. Eleita com mais de 46 mil votos nas eleições municipais do Rio de Janeiro em 2016, a representante negra, lésbica e "cria" do complexo de favelas da Maré defendia pautas sociais, antirracistas e de valorização das periferias, além de fazer críticas diretas à atuação brutal da polícia nas favelas da cidade.

Embora o racismo estrutural – caracterizado pela desigualdade de direitos em âmbitos sociais, econômicos e políticos – já fosse debatido por movimentos negros e ativistas antes da morte de Marielle, o acontecimento tornou ainda mais evidente esse problema na sociedade brasileira. Para Juliana Marques, coordenadora do projeto Mulheres Negras Decidem, o crime fomentou a participação de mulheres negras na política. Na cidade do Rio, por exemplo, a mobilização em torno da causa ajudou a eleger três candidatas negras para a Assembleia Legislativa em 2018.

“A luta pela representatividade de mulheres negras na política e tantas outras pautas sociais vinham surgindo em alguns espaços, como em movimentos negros, mas com menos repercussão. O assassinato de Marielle, sem dúvida, colocou a questão da sub-representação em foco, inclusive pela perspectiva da violência política no seu extremo. Ver esse acontecimento no Rio de Janeiro, ex-capital federal, trouxe muito mais visibilidade às pautas levantadas pela Mari e ajudou mais mulheres negras a continuar a luta”, afirma Juliana.

Para continuar o legado da ex-vereadora e ajudar mulheres negras a conquistarem o seu espaço em frentes legislativas, a família de Marielle criou o Instituto Marielle Franco. Caracterizado como uma organização sem fins lucrativos, o projeto busca inspirar, conectar e potencializar mulheres negras, LGBTQIA+ e periféricas a seguirem na luta por igualdade de direitos e representatividade.

Com atuação direta nas eleições deste ano, o Instituto e movimentos como Mulheres Negras Decidem, Enegrecer a Política, Educafro, Coalizão Negra por Direitos e ativistas sociais pressionaram o Congresso Federal e conseguiram a vitória na aprovação das cotas raciais nas eleições municipais e federais. Essas organizações trabalham com o propósito de apoiar candidaturas de pessoas negras comprometidas com pautas antirracistas e ajudam a ressignificar narrativas pré-estabelecidas na sociedade quanto à qualificação formativa e potencial de atuação nos problemas estruturais da sociedade, por parte desta parcela da população.

A aplicação das cotas, apesar de inicialmente negada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), foi aceita e implementada em setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Assim, a política afirmativa é válida já nas eleições 2020. Os candidatos negros têm os seguintes direitos:

1) Desde de 2009, com a Lei 12.034/2009, os partidos políticos são obrigados a destinar um percentual mínimo de 30% para candidaturas femininas. Dentro desta cota e levando em consideração a quantidade de candidatas por chapa eleitoral, mulheres negras têm direito a 50% dos recursos financeiros e tempo em rádio e TV, assim como mulheres não negras;

2) Custeio proporcional das campanhas dos candidatos negros, destinando 30% da verba como percentual mínimo para a distribuição do Fundo Especial de Financiamento de Campanha; e

3) Distribuição proporcional do tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão para os negros, devendo-se equiparar o mínimo de tempo destinado a cada partido, conforme o TSE entendeu para a promoção da participação feminina.

Contudo, mesmo com a aprovação pelos tribunais superiores das mais recentes normas de distribuição igualitária de recursos às candidaturas, a igualdade não é garantida. De acordo com Tainah Pereira, ativista do projeto Enegrecer a Política, será preciso transparência por parte do TSE para saber se, de fato, as cotas estão sendo destinadas às candidaturas negras.


“A lei não garante igualdade. É difícil pressionar os partidos, mesmo os progressistas, a mudarem suas práticas e garantirem recursos para as candidaturas de negros e negras. Um próximo passo é incluir na reforma política mecanismos que garantam maior transparência sobre as decisões tomadas no interior dos partidos. Além da garantia de uma cota mínima de candidaturas negras, tal como ocorre já com as femininas”, explica a ativista.

Representatividade de mulheres negras na política

Pela primeira vez na história, as candidaturas negras são maioria nas eleições 2020. Homens e mulheres negros são quase 270 mil candidatos a prefeitos e vereadores, aumento de 2,08% em relação a 2016. Apesar da pequena variação, a quantidade de negros superou a de brancos: 50% versus 48%. Isso não aconteceu em 2016, quando brancos eram maioria (51,5%).

Ao fazer um recorte por gênero, este ano também houve um aumento de mulheres negras na disputa eleitoral. Segundo dados cedidos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), para os cargos de prefeita e vereadora há cerca de 90 mil candidatas. O número é 23% maior que as 73 mil candidaturas registradas nas últimas eleições. No entanto, apesar do número crescente de candidatas, a elegibilidade de mulheres negras ainda é pequena, ainda mais quando lembramos que elas formam o maior contingente populacional do país.

De acordo com o último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as mulheres são aproximadamente 109 milhões da população total, ou seja, cerca de 52% dos brasileiros. Deste montante, mais de 30 milhões (28%) delas se autodeclaram negras (preta ou parda). No entanto, nas eleições de 2016, das 73 mil mulheres negras que se candidataram à prefeitura e à câmara municipal no Brasil, apenas 3 mil foram eleitas, um percentual de 4,3%.

Segundo Juliana, coordenadora do Mulheres Negras Decidem, essas estatísticas não estão associadas à falta de interesse em atuar na vida política, visto o aumento no número de candidatas negras no comparativo entre as eleições de 2016 e 2020. Para ela, a falta de mulheres pretas na política se deve principalmente às desigualdades estruturais, à falsa democracia representativa e ao baixo financiamento eleitoral oferecido a esse público.

“As mulheres negras representam o maior grupo demográfico não por questão de natalidade, mas por cada vez mais mulheres reconhecerem sua identidade e se autodeclararem negras. No entanto, a democracia representativa não é diretamente proporcional. A falta de financiamento e a lógica mercadológica da visibilidade fazem com que candidaturas de mulheres negras não se revertam em pessoas eleitas”, afirma Juliana.

Para compensar o cenário desfavorável, o ativismo digital tem sido um dos mecanismos de visibilidade utilizados por mulheres negras para exporem suas pautas de campanha e terem mais chances de serem eleitas. Nas eleições municipais do Rio de Janeiro, por exemplo, os movimentos ativistas já trazem legados positivos. Este ano, há 309 mulheres negras concorrendo a cargos de vereadora, um aumento de 54 candidaturas em comparação às eleições de 2016. Já na disputa à prefeitura do Rio, três mulheres negras concorrem ao cargo, sendo elas Benedita da Silva (PT), Renata Souza (Psol) e Suêd Haidar (PMB). Nas últimas eleições para prefeito do Rio, não houve mulheres negras na disputa.


Arte: Pâmela Dias



Ativismo digital como estratégia

O ativismo digital tem como principal finalidade chamar a atenção da população para a desigualdade presente na sociedade, denunciar a cultura racista de instituições públicas e privadas, além de responsabilizar violadores dos direitos civis. Esse movimento acontece bastante através das redes sociais e sites de notícias independentes, que defendem e buscam dar visibilidade a grupos que são negligenciados ou ignorados pela sociedade, entre eles mulheres, negros, LGBTQIA+ e PcD's (pessoas com deficiência).


Para Andréa Medrado, professora do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Mídia e Cotidiano da Universidade Federal Fluminense (UFF), que pesquisa o fenômeno do ativismo digital de favelas nas redes sociais, a visibilidade desponta como ferramenta essencial para o empoderamento e o reconhecimento desses grupos na sociedade.


“Questões como política de identidade, classe e desigualdade social dependem da visibilidade para serem abordadas, enquanto os movimentos sociais precisam tornar visíveis as muitas injustiças sociais para que possam lutar contra elas e conquistar a empatia do grande público para suas causas. Invisibilidade, por outro lado, cria exclusão e marginalização. As novas tecnologias, particularmente as mídias sociais, surgiram como ferramentas importantes para promover a visibilidade em um sentido empoderador”, aponta a pesquisadora.


Ainda segundo Andrea, algumas das vantagens das redes sociais incluem a “facilidade de acesso e a capacidade de contornar a mídia de massa, ajudando grupos marginalizados, como mulheres negras, a gerenciar sua própria imagem social ou simplesmente contar suas próprias histórias em seus próprios termos”. Assim, as manifestações no meio virtual criam possibilidades interessantes para o movimento negro. É possível, por exemplo, estabelecer redes de trocas com movimentos antirracistas de todo o mundo, como aconteceu no Movimento #BlackLivesMatter (#VidasNegrasImportam).


No caso da elegibilidade de mulheres negras na política, o ativismo digital acaba sendo uma saída para que alcancem visibilidade em suas campanhas. No entanto, o ato de “ser visto” também acarreta consequências negativas, em especial às candidatas e parlamentares negras. Entre as vulnerabilidades citadas por Andrea estão ataques virtuais, discursos de ódio e tentativa de destruição das reputações das candidatas.


Racismo algoritmo ainda é barreira

Nesta mesma linha de raciocínio, a ativista do projeto Enegrecer a Política Tainah Pereira afirma existir outros problemas no uso dos meios digitais nas eleições. Segundo ela, a falta de financiamento das candidaturas e o racismo algoritmo nas redes fomentam a desigualdade.


“O mundo digital está longe de ser a solução perfeita. Faltam condições materiais para que candidaturas de mulheres negras tenham projeção e se tornem de fato viáveis", afirma Tainah. Algumas das lacunas são falta de acesso a computadores e internet de boa qualidade (ou limitações para utilizá-los), pouco dinheiro para produção de materiais gráficos, pouco recurso humano (equipes limitadas, trabalho voluntário). "Isso sem mencionar o racismo algoritmo, que faz com que o alcance de publicações de pessoas negras seja menor que de pessoas brancas”, afirma a ativista.


O racismo algoritmo ocorre quando a inteligência artificial é pautada por informações enviesadas que alimentam e regem o seu funcionamento, causando o aumento da desigualdade racial. Se o público que utiliza as redes é majoritariamente racista, o algoritmo (modulado para atender ao gosto da maioria) tende a reforçar esse viés, prejudicando o debate público. Assim, já que cada vez mais os gostos e as políticas estão sendo mediadas, e consequentemente definidas por máquinas, tal problema se mostra como uma pauta importante a ser debatida.


“Esse é um debate ainda incipiente, mas muito necessário. Ainda mais em um contexto de pandemia, quando o contato direto com as pessoas nas ruas ainda é limitado”, finaliza Tainah.


Para tentar driblar essas limitações, Andrea Medrado aponta que uma das maneiras de lidar com essas “crises de visibilidade” é através do que chama de “visibilidade de link”. A pesquisadora explica que as páginas e perfis das redes sociais da candidata a prefeita Renata Souza (PSOL-RJ), por exemplo, costumam postar conteúdos que espelham ou se relacionam ao que está nos meios de comunicação com grande alcance na Internet, como o Mídia Ninja (@midianinja - com 2,4 milhões de seguidores no Instagram e 672.300 seguidores no Twitter) e Notícia Preta (@noticiapretabr - com 210.000 seguidores no Instagram e @NoticiaPreta - com 9.116 seguidores no Twitter). Desse modo, a candidata consegue atrair mais atenção para a sua agenda política.

Pautas das mulheres negras na política

Em maio deste ano, o Mulheres Negras Decidem realizou a pesquisa “Para Onde Vamos”, com participação de 245 mulheres negras ativistas de todo o país. O objetivo central do levantamento foi obter informações referentes à atuação das militantes nas campanhas eleitorais, bem como suas principais pautas e projetos de políticas públicas.


Alguns dos dados colhidos referem-se aos espaços com maior atuação das ativistas. Entre os que possuem maior incidência, a pesquisa aponta para movimentos sociais, veículos de mídia e redes sociais, escolas e os conselhos, comitês e comissões ligados à administração pública.


Segundo Juliana Marques, os dados permitem concluir que os estereótipos limitantes direcionadas ao grupo de mulheres negras ativistas não correspondem às definições pré-estabelecidas socialmente, como baixa escolaridade, falta de interesse na vida pública e ausência de propostas efetivas de políticas públicas. Segundo ela, “essas mulheres têm a capacidade de protagonizar diferentes lutas e pautas, têm capilaridade e atuam em diferentes territórios”.

Gráfico por Cecile Mendonça e Pâmela Dias

Este exemplo de “ativismo digital de divulgação de dados” vem sendo usado pela instituição neste período de campanha eleitoral como forma de expor à sociedade uma nova imaginação política liderada pelas mulheres negras. A exposição das pesquisas acontece a partir de divulgação nas redes sociais, rodas de conversas e lives abertas transmitidas em todo o país.


De acordo com Juliana, é preciso quebrar o estigma social imposto sobre as mulheres negras de serem apenas usuárias de políticas sociais do governo, e passar a ouvir suas demandas como entendedoras primordiais da atual situação político-social em que o Brasil está inserido.


“A população negra é vista sempre como usuária de políticas públicas e não como construtora delas, a partir de suas vivências e qualificações técnicas. A partir da atuação do MND, chegamos à conclusão de que, como convocação de voto em mulheres negras, o dado mais positivo que poderíamos trazer é a mulher negra como a maior força eleitoral no Brasil”, afirmou.


Após toda a mobilização social nos últimos meses por parte de mídias independentes, organizações sociais e ativistas digitais, foram realizadas pesquisas, tratamento de dados, estudos sociológicos, e oferecimento de material formativo para as mulheres darem início e seguimento às suas campanhas nas eleições de 2020. Essas e outras práticas estão abrindo espaço para que mulheres negras entrem cada vez mais no cenário político. Assim, espera-se que essas manifestações se revertam em mais candidatas eleitas.

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